domingo, 29 de novembro de 2009

Viver sem tempos mortos

Sobre a peça de Fernanda Montenegro

A maior qualidade de um ator é não estar ali;em contrário é dissolver-se em brumas emprestando alma e sangue, músculos e ossos ao exercício da interpretação de alguém. Desse emaranhado de sensações e dores que chamamos existência, extrai material essencial de seu labor, tecendo com fios invisíveis a composição do personagem. Seus olhos choram a dor do outro e é nas suas mãos que o destino a este chegará, mas sua matéria não exemplifica nada ou quase nada próprio. Doa-se por inteiro em gotas de suor e êxtase, no suave contorcer-se do corpo na ânsia de dar voz ao outro que nada tem de seu. Seus passos percorrem o palco na penumbra marcando a vida daquele que não fala por si. Seu rosto evidencia a emoção da alma que desnuda, céu e inferno, nas profundezas do eu. Antes, é a sua própria vida que despeja no piso frio da ausência de cenários. Não é preciso. Sua voz é pincel é tintas, onde a vivência alheia vem à tona ante o silêncio comovido do público a acompanhar com a respiração em suspenso o evoluir do personagem entre luz e sombras. A alma nua sob os holofotes nada tem a esconder, amplia-se em frases e silêncios, onde o sentido vai conhecer o significado do existir. E o amor a constituir-se em matéria palpável, permeado de desejo e solidão. Eu, diz a personagem. Ao que responde o público: todos nós. Não há quem não se sinta preso ao olhar profundo da respeitável senhora, sentada em sua cadeira a desfiar num rosário as experiências de uma mulher. Mas seria só uma?Seus versos abarcam toda uma humanidade de homens a aclamar uma só palavra: liberdade. É preciso viver e mergulhar no vazio de si, aceitando o fardo da impossível e angustiante existencialidade, pondo por terra os conceitos pré-concebidos de mundo com os quais se entra no teatro. Lance-os ao chão, diz a atriz, mudamente, lance-os fora. Não servem mais. Homens, mulheres, moral, deveres, lancem-nos ao chão. Somente a verdade pessoal de si é permitido conservar. De resto a alma lavada e dolorosa,mas viva e verdadeira,definitivamente livre.

Um comentário:

Paulo Cruz disse...

...é, somente estando ao seu lado e assistindo com você esta peça, pra compreender cada virgula de suas palavras e todas suas nuances contidas nesse seu texto...
Parabéns minha querida e amada mulher....