terça-feira, 3 de maio de 2016

Sobre o Silêncio

"E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras. E do silêncio tem vindo o que é mais precioso que tudo: o próprio silêncio."  - Clarice Lispector, in Crónicas no 'Jornal do Brasil (1968)'.


Céleres ouvidos mal podem ser responsáveis o suficiente para captar o doce timbre deste novo relicário em forma de bem. Soa incrível, embora a especialidade a olhos vista. À margem de uma realidade possivelmente inconcebível, de tão assustadora, não restam dúvidas sobre a falta de exímio fôlego no decorrer dessa caminhada ante o pretexto, ora subterfúgio, de deslizar sobre um fenômeno cataclítico vestido de alma gêmea.
Por força equívoca de uma ocasião, em longínquas terras, rumores do encontro de afluentes suntuosos travariam uma batalha épica com a razão, um dia soberana. A essa hora, nada vale tanto a pena quanto o segredo dos teus olhos. Acolá, meros sussurros latejam como burburinho das sirenes. Tudo passa a ter o estranho sabor de lugar comum. Em contrapartida, até o refrão da música preferida parece a inaudível. Os sons do coração ecoam lentamente a brevidade das curtas notas do silêncio. Cada tom reacende no íntimo as ondas da tua voz, antes facilmente esquecíveis.
Como paisagem um jardim de delícias: é mágico subverter conceitos talvez imutáveis, sobretudo sob o crivo do medo. À proporção de uma trajetória repleta de ouros sacros, a cegueira mediante acordo tácito entre lados equivalentes surge como ingrediente essencial para confeccionar a receita especial em recipientes milimétricos. A falta de controle é a porta-voz da emoção.

Do popular ao erudito, a grande beleza mora no espaço infinitesimal das entrelinhas, distantes da mínima perda de tempo. A verdade sempre sucumbe à ilusão. Das mais fascinantes obras de arte podem ser criadas sob o efeito inebriante de um sorriso. Próximos da exuberante façanha - sem provas verídicas de todo porto seguro -, além das expectativas de comentaristas de plantão, os agentes da presente história ocultam os efeitos líricos da saudade, mesmo suscetíveis à escala sem volta do desejo, num plano paralelo, resoluto ao mais infindo dos encantamentos.

*Título sugerido pela amicíssima Tatiane Mendes e devidamente acolhido para esta obra.


domingo, 13 de março de 2016

Ode ao Amor E-Terno

Entende desse coração, em uníssono,
Amar ao máximo um eterno sangue?
Frisson aurífero no auge do tilintar genuíno
Não, você ainda não percebe de jeito algum.

Desconte os efeitos das horas
Companhia tanta de encanto inteiro
Por favor, mestre de obras!
Tempo, meu fiel escudeiro...

A hora chega
Sem escoras  no peito
Vasta obra, da maldade  trôpega
Sem recurso ou artimanhas do direito                 

É um privilégio na fôrma de banquete
Orgulho e honra, à toda prova, como flor
Sacramentados desde o tal desacreditado bilhete
Pedras cravejadas do brilhante amor

De qualquer jeito, adeus ao “sinto muito”
Títulos dos ventres às pernas
Luz de velas, café e união à mesa
À mercê das outras novas uniões
Malgrada a alheia solteirice
Expostos ao oceano vertiginoso da cúmplice velhice

Façam todos suas apostas!
Decerto usarei vermelho nos festejos especiais
Quem hoje volver à grande sorte
Encontrará a metade lá dentro
Sabido o quase infalível poder dos guardas celestiais.
Sem lamentar os doces recomeços e das superfícies os livres radicais.

Renascença

Aquela estimulante felicidade sem repouso pede continência ante a lâmina protetora do esplendor. Uma pausa abrupta, inesperada, causa uma dislexia desenfreada. Escolhas precoces, quase outorgadas. Tira das vísceras os nós do imbróglio sem precedentes. Não era o cosmos, mas parecia. 

Só o tempo é capaz de separar o joio do trigo, e mostrar a essência a olho nu. Rasga profundamente a pele. Seca as cicatrizes. Abre de novo feridas. Tal qual um ciclo vital, provocador enquanto necessário. 

Crescer significa reconhecer um estado permanente de transformação, em cujas amarras estão soldados os pretextos mais polidos para o cruel retrato de amanhãs. É o preço cobrado pela difícil interpretação da rotina, mediante roteiros dirigidos sem ensaios, num acervo pessoal e intransferível. Algumas provas comportam forças indestrutíveis.

A vida não é um documentário épico em preto e branco, digno dos mais renomados prêmios da crítica. Nada é simples quando a terra está em transe. A cada página virada, embora por vezes de não tão querida maneira, os fantasmas de são deixados para trás, substituídos por um renovado ciclo a ser experimentado. O jeito de agir muda todo o resto, com a auspiciosa visão de uma "nova era".

Quem não se contenta com movimentos espontâneos, de progressão geométrica, deve vislumbrar os cursos para a construção de um horizonte melhor, sem queixas ou desespero. Nada sacia o desejo de sucesso, com a maniqueísta pretensão dos votos interiores, guardados a sete chaves, no porão da alma, salvaguardados os tropeços ante o destino. 

O amor remonta o início dos dias. Quase um renascimento. De ressonância quântica. Basta conciliar a dor e emoção à base da poesia absurda, ampla e plena na forma da aparente magnitude. A vitória sempre está no alto dos montes. Haja fôlego. Vide sóis. 

Reserva Jardim

Reza a lenda um ritual de trocas espaçadas de afeto, com o aval primoroso do seio familiar, a partir do intervalo mais esperado por um primogênito. Nas melodias mais reprisadas da juventude, sinto o apelo ímpar da felicidade, na morada dos teus refrões prediletos.

Guarda em lençóis brandos a nobreza deste caráter. Inviolável e progressivo. E deixa brilhar a estrela acortinada pelos mais belos buquês da verdade. Como se, nos mares mais límpidos, permanecessem em repouso os ávidos desejos de viver as maravilhas do tesouro reservado em teu nome.

Cada gesto de carinho é um passo lógico na progressão aritmética dos teus sentidos. Inversamente proporcional ao compasso do peito. De beleza absurda e descomunal. Na forma lúcida, como uma narrativa fílmica, das mais distintas obras de arte, em cuja intensidade reside o apelo inconfundível do amor fraterno.

Larga mão dos teus anseios racionais e partilha mais o coração. A vida é breve e não conta os centavos de ocasiões indispensáveis para o bojo das memórias afetivas. Um mundo tão vasto te espera com um punhado generoso da sorte, abandonada por tantos no curso natural do destino humano.

Enquanto vigia a tu' alma, encanta-te com o rico universo dos sonhos. Na medida certa do estar "em cima do muro". Invada as portas mais obscuras, sem pensar no risco imediato das ações. Só a intenção já muda o jeito de olhar os versos a cercar as flores em tua volta. Nada é tão essencial; além da voz prima do teu colo, ante o apelo do sorriso alheio. Sem esquecer da última dança, antes do amanhã raiar.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Cartão de Visita

Querida paixão,  

Desculpa incomodá-la assim, no meio da noite, com essa carta. Na verdade, não consigo parar de pensar nos amores passados, com os quais, não entendo porque, infelizmente, não permaneci.

Não ouso crer tê-la avistado, de véspera, certo de ter finalmente encontrado a tão sonhada metade da laranja ou, se, de fato, amei todo tempo de forma breve e finita, com exigências mil a vasculhar as estranhezas – entranhas – de cada dia e noites em que deixava repousar as amantes em meu colo. Talvez seja daquelas façanhas do destino. Prefiro imaginar mesmo o incomparável sabor do ineditismo, aquela sem-razão visceral, força motriz dos semideuses rumo ao apogeu.
A questão, meu amor (ou sombra exuberante avistada e sentida de perto sem nunca poder tocar), é andar extasiado com sua representação. Ouço dizer aos quatro cantos do amor como uma chama ardente no peito, dos rompantes extremos, pelo desejo ensimesmado de querer estar perto do outro e ser bajulado de maneira igual ou maior. Inevitavelmente gostar da companhia do outro e adorar fazer coisas simples junto. E se for mais? Como suprassumo imediato do viver?

Daí, fico aqui pensando que tudo isso para mim tem uma porção de outros possíveis nomes também: cumplicidade, tesão, bem-querer, vontade de ser aceito, alterego, humanidade, paixão, e até mesmo (por que não?), a mais rudimentar amizade.
Sabe-se lá meu erro (ou, será que poderia dizer: nosso erro?) seja nunca conseguir alinhar minhas expectativas à minha visão de mundo. É querer, de modo completamente estapafúrdio, um amor estilo Hollywood, desses que batem e pá: corta para a cena do beijo com fogos de artifício ao fundo. Embora seja de outra galáxia... 

Talvez, o meu equívoco (ou, poderia, novamente insistir, o nosso?) seja confundir paixão com você. Não pelo “paixão” pelo qual carinhosamente clamo você.  Porque quando olho para trás e revejo diversas relações incrivelmente passionais que vivi, percebo que elas não passaram de uma paixão devastadora, mas que nunca evoluiu para o que, agora, depois de tantos fracassos, parece-me ser você. Deus do mundo, cuida bem do amor, guardado para mim...

É possível que, na ânsia de te encontrar definitivamente, eu tenha perdido o compasso daquilo que deveria ter sido (e que deve ainda ser) o meu andar pela Terra. Creio ser provável ainda que eu tenha feito esforço demais. Creio ser provável ter feito, muitas vezes, vista grossa para tudo aquilo que deveria me fazer torcer o nariz desde o princípio.

Vez e tal, a gente se tranca e pensa não haver mais qualquer suspiro de felicidade. E, acredite ou não, meu prezado amanhã, a coisa mais triste do mundo é perceber, ora, não ter mais tanto a viver. Sentir-se especial diante do “mundo”... nossa! Que tal? A graça é insistir sem remédio. Pressentir sem culpa. E decidir sem qualquer contrarrazão. Compreender, mais do que com o coração; sacar, com os próprios neurônios, a melodia quase indecifrável da orquestra; e, sentir a música, antes inaudível, tocada para a dança principal, a dois, com novo ritmo – como recomeço.

Juntar seus passos aos de alguém é uma viagem extraordinária - cheia de cores e euforia e completamente angustiante ao final das contas. Procurar-te, meu caro amigo, aliás, nos cobra juros altíssimos, diria, quase impagáveis. E aí, o que fico aqui pensando, enquanto divido minha vida pregressa entre o armário e a lata do lixo, é: como podes ser tão cruel e, ao mesmo tempo, tão raro - no sentido mesmo de querido - aos nossos corações?
O fato, em si, é não querer de jeito algum abrir mão de você. Multiplicar em razões logarítmicas a função inequívoca de te ter em meus braços. Enfim, 1% anjo da humanidade, venho, por meio desta missiva, pedir-lhe apenas uma chegada mais calma, leve e sincera. Dessa vez, com uma doçura instalada quase que imperceptivelmente. Que você entre sem sapatos na casa, sem alardes, sem batuques. Use a roupa mais sedutora e elegante. Que adormeça ao meu lado e acorde antes que eu o perceba e parta, ainda silencioso. Mas que volte, todos os dias e todas as noites que quiseres. Eu, de minha parte, prometo ser paciente, esperar, respeitar e celebrar as suas intempéries. Imploro a ternura abissal dos mais reluzentes encontros. E as escoriações, se vierem, o façam não por impacto, mas por persistência.
Pode virar do avesso minha vida, retirar-me o prumo, invadir a mente. Venha como uma pluma: sábia, sólida e delicada. Coma a possível oferta e não vá com sede demais ao pote, mas saiba da minha incondicionalidade. E que, dessa vez, você saia do casulo com suas cores mais belas e plenas. Não tenha vergonha, sobretudo de aderir a suas malas e viagens. Agora, com olhar mais apurado, eu sei apreciar também aquilo que não é só belo. Venha espontânea e serena, também com suas linhas tortas, pois cá estarei eu também nu, confidenciando todos os encantos e limitações.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Ases da Imaginação

O mundo é uma caixa de surpresas, tão complexa quanto original. Um novo dia comporta os malgrados e encantos, todos combustíveis para a reprogramação do porvir. Vida cativa, entre dores e rumores, doutrina dissabores ao correr indissolúvel do tempo, tamanha a resenha decorrente do curso intangível da matéria, enquanto partícula transformadora do universo. 


Desde o vazio recôndito ao eco dos silêncios cotidianos, há aprendizados. Folhas mórbidas, ao despencar da árvore, altiva e soberana, mostram a lacuna lúdica – e cabal – das perdas e imbricações no real. Um tropeço cômico numa mera caminhada de casa ao trabalho pode ser visto como um acidente ou como o prelúdio de um dia péssimo na sequência. Nada é regido sob encomenda. É essencial olhar para fora, concomitantemente com o “vide interior”, a saber da inequívoca salubridade quanto ao modus vivendi em sociedade. O que será da vida sem a menção aos riscos e possíveis medos? 


Sob as perspectivas da insanidade coletiva, vale ressaltar que a loucura da massa representa a moção ilógica dos valores cognoscíveis frente ao descontrole irrestrito dos ditosos chefes da malha provinciana, cuja cidadela padece ao bojo dos impropérios e calamidades suntuosas. Compete à transgressão incorruptível dos mais belos campos e corredores do bem a infinita angústia pelo frescor ou ardor dos próximos horizontes. Quantas histórias serão necessárias para dirimir todos os anseios centrais à toda prova na presente realidade? 


Cabe precisar a litúrgica corrida dos homens à procura da felicidade. Mal sabem os próprios da morada trivial do amor. De divertir-se carece. Entretanto especial mesmo é florescer mediante a flexão poética de cada raiar. Compor versos mágicos a perder de vista. Sem atinar nem procrastinar. Sem abreviar emoções. Como prever o amanhã sem os notórios prantos? Como conceber o futuro sem os sonhos tantos?